quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Sobre uma jornada impossível

O mais inóspito, seco, elevado e frio continente da terra. A Antártica, que fascina não apenas por ser remota mas também por ser bela, tem ganhado destaque nos últimos anos devido à sua relevância ambiental para o planeta. É ela a responsável pelas correntes marítimas que trazem vida para a parte meridional dos oceanos e nela está estocada aproximadamente 70% da água doce mundial. E com o agravamento do aquecimento global, a estabilidade das suas geleiras está cada vez mais ameaçada.


Aaaaahhhhh, a Antártica!

A despeito de todo o interesse político, econômico, ambiental e científico que a Antártica possa despertar, foi na sua interação com alguns homens que histórias memoráveis emergiram. No auge do seu processo de "conquista", entre o fim do século XIX e as primerias décadas do século seguinte, a atenção mundial era tal que somente encontraria paralelo nos tempos da corrida espacial, nos anos 60.
Uma das grandes lendas dessa era foi Ernest Henry Shackleton. Na verdade, muitíssimas linhas já se dedicaram a narrar as suas façanhas e, recentemente, seu nome tem sido louvado pelos gurus de gestão e liderança.
Shackleton participou da Expedição Discovery (1901-1904), liderada pelo Cap. Robert F. Scott e posteriormente liderou sua própria expedição, a Nimrod (1907-1909), o que o levou a alcançar fama e prestígio na Inglaterra. Scott foi o mesmo que comandou a lendária Expedição Terra Nova (1910-1913). Essa expedição chegou ao Pólo Sul em janeiro de 1912, apenas para descobrir que o norueguês Amundsen havia sido o primeiro homem a atingi-lo, um mês antes. Scott e seus 4 companheiros morreram de exaustão, frio e fome 2 meses depois, no caminho de volta.
Mesmo após a conquista do Pólo Sul, ainda era grande na Europa o interesse pelas explorações Antárticas, e Shackleton conseguiu levantar recursos para o que seria uma colossal façanha: cruzar o continente entre os mares de Weddell e Ross, passando pelo Pólo Sul. Encontrar pessoal não foi difícil: mais de 5000 homens se apresentaram. Foram, então, selecionados 56, que se podem classificar entre o perfil de cientista ou de aventureiro. Muitos eram ambos.



Parte da turminha do Shackleton

Shackleton dividiu-os igualmente em dois navios: o Aurora, que se estabeleceria no mar de Ross, enquanto o Endurance iria pelo mar de Weddell, e sua tripulação (comandada por Shackleton) cruzaria o hostil continente, cobrindo uma distância aproximada de 2900 km, até encontrar com a equipe do Aurora.


Cães que acompanhavam a expedição

Shackleton zarpou da Inglaterra em agosto de 1914, quase simultaneamente ao início da I Guerra Mundial. Em 5 de dezembro, saiu da Georgia do Sul (ilha britânica a leste das Malvinas) em direção à costa da Antártica, mas em meados de janeiro de 1915 o navio ficou preso entre placas de gelo. Começava a frustração dos planos da expedição, e também aumentava o potencial de conflitos entre a tripulação. Shackleton, que primava pela hierarquia, também adotava uma liderança mais participativa, misturando-se no dia-a-dia com os companheiros e dividindo todo tipo de tarefa entre todos, mesmo a limpeza do convés. Agora, com gelo por toda parte ao redor do navio, autorizava jogos de hóquei e futebol para aliviar as tensões psicológicas a bordo. Ao longo do ano, derivaram a oeste até que em outubro Shackleton deu a ordem para a abandonar o navio. Em 21 de novembro o Endurance foi esmagado pelo gelo e afundou.

Endurance alguns dias antes de sucumbir. 

Os 28 homens, já há quase 1 ano sem pisar em terra firme, perderam assim a pouca segurança que tinham e toda a sua esperança se depositou nos 3 botes e no comando de Shackleton. Acreditando que a deriva na direção noroeste os levaria ao encontro de terras com presença humana, continuaram acampando sobre o gelo por mais 5 meses até que a desintegração do gelo os obrigou a subir nos botes e navegar. Após dias no mar, finalmente chegaram à Ilha Elephant, inóspita demais para se esperar por resgate. Shackleton então decide partir em direção a Georgia do Sul, a 1300km de distância, onde havia uma estação baleeira. Isso numa das regiões de piores condições ambientais do planeta, onde ondas gigantescas são comuns, os ventos são fortíssimos e ainda usando um bote de 7m de comprimento como meio de transporte!
Shackleton seleciona 5 companheiros para a viagem, dois deles que estavam causando problemas de relacionamento no grupo. Ele preferiu mantê-los perto do que arriscar-se a comprometer a convivência entre os que ficariam na Ilha Elephant esperando por ajuda.


Atravessando geleiras a pé. Puxando botes. Que tal?


Após 4 semanas enfrentando tempestades e especialmente um furacão que afundou um navio nas proximidades (eles até viram os destroços), finalmente chegam à Georgia do Sul, não sem antes ter problemas para encontrar um lugar de atracação seguro. Infelizmente, desembarcaram na parte desabitada da ilha, e atingir a estação baleeira pela água ficou inviável pois sair daquela enseada com tantos recifes seria muito mais difíficil do que foi entrar. Iriam, então, cruzar a ilha a pé, algo que nunca tinha sido feito antes, pois no seu interior só havia montanhas e glaciares. Apesar da fome e da exaustão, no dia 20 de maio de 1916, após 36 horas praticamente ininterruptas de caminhada, venceram os 27km que os separavam da baía Stromness. Cabelos e barba crescidos, as mesmas roupas no corpo sem lavar por quase um ano, e finalmente encontram a sua salvação. Ao se aproximarem do cais, um homem lhes perguntou, perplexo:
"Quem são vocês?"
"Nós perdemos nosso navio e cruzamos a ilha", disse Shackleton. 
"Vocês cruzaram a ilha?", disse o outro num tom que misturava descrença e indignação.

Ernest Henry Shackleton, o cara.

A primeira preocupação de Shackleton, porém, era com seus companheiros ainda em perigo. Mais dificuldades apareceram, pois havia escassez de navios durante o período de guerra. Shackleton tentou três vezes atingir o grupo da Ilha Elephant. Em duas delas, o gelo ao redor da ilha o impediu, e em outra, uma falha de motor. Até que, a bordo de um rebocador chileno, em 30 de agosto, Shackleton resgatou os homens, que estavam esperando durante os últimos 105 dias.
Apesar do fracasso em cumprir as metas da expedição, Shackleton trouxe de volta à Inglaterra todos os homens com vida.
Daria pra fazer muitas aplicações dessa história na nossa vida. Quero destacar duas. Em primeiro lugar: quer conhecer uma pessoa como ela realmente é? Se coloque com ela em situações extremas. Por favor, só não precisa levar seu namorado ou sua futura sócia para uma temporada de privação na Antártica. E em segundo lugar, quero só citar uma frase atribuída a Jean Cocteau e que sempre teve um forte impacto em mim: "Não sabendo que era impossível, foi lá e fez".


[Este texto foi publicado originalmente no jornal "O Politécnico", em 2008. Dei só uma modificada pra adequar ao formato do blog. Dois dos meus maiores ícones têm seus nomes unidos pela rima: Shackleton e Chesterton. A linhas acima são sobre o primeiro. Falarei sobre o segundo depois.]


quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Sobre o título do blog

A óbvia referência do título do blog à expressão popular "sem pé nem cabeça" me veio um dia desses, nos idos de 2007. Eu pensava na terrível lenda do cavaleiro sem-cabeça e em como ele talvez também não tivesse pés, pois sempre andava a cavalo. O equino poderia ser a única esperança do infeliz fantasma se locomover em busca de sua cabeça extraviada. Como seria impossível prová-lo, o devaneio não prosperou. Mas a ideia tinha algum pé e alguma cabeça, pensei. Foi aí que veio o alumbramento: ué, se tanto se usa a fala "isso é sem pé nem cabeça", por que não se usar "isso tem pé e cabeça"?


O problema é que um nome desses poderia me obrigar a dizer só o que faz sentido, só o que tem lógica. Desde já quero me eximir dessa posição: o mundo não se explica só pela lógica. E muito menos o mundo é movido à lógica. Uma mãe não ama o filho por lógica. A gente não tá poluindo o mundo por lógica. A eleição do tiririca não é lógica. Falar lógica 8 vezes no mesmo parágrafo não tem lógica.

Tem outra coisa. A combinação pé e cabeça é mágica. A beleza da cabeça é que ela viabiliza o pensamento. A do pé é que ele viabiliza o movimento. Feliz é quem pensa e se mexe. Um cara que se move mas não pensa é só um afobado. O que pensa mas não se move é só um intelectual. Mas que freio haverá quando se pensa e se move?

E aí temos as linhas gerais do blog: pé e cabeça.

Se esse espaço em nada contribuir para o seu dia, cuspa nele, fale mal aos amigos e não volte nunca mais. Mas se ao menos provocar um meio riso, se comunicar algo útil e edificante, ou se te agradar de qualquer maneira, volte sempre e faça propaganda pô, pq é de leitores que os blogs vivem.

Sobre a mentalidade marítima



Na Marinha, uns definem assim:

"Mentalidade Marítima de um povo pode ser entendida como a compreensão da essencial dependência do mar para a sua sobrevivência"

Outros, assim:

"Mentalidade Marítima é a convicção ou crença, individual ou coletiva, da importância do mar para uma nação e o desenvolvimento de hábitos, atitudes, comportamentos ou vontade de agir, no sentido de utilizar, de forma sustentável, as potencialidades do mar"

A segunda é mais concreta. A primeira é mais violenta, e por isso gosto mais dela.

Mas e aí: o Brasil depende ou não do mar? E o mundo?

Sobre o porquê das ondas quebrarem na praia

Você está ali na areia, olhando o mar... As ondas quebram na areia sem parar. Você então se pergunta: por que isso acontece?



Desde que criei essa conta no blogger - há mais de 3 anos - tenho hesitado em publicar textos, por achar que eles me escravizariam. Hoje, aleatoriamente, vou dar o pontapé inicial no bicho. Quanto à escravidão, veremos no que vai dar.
A gota d´água pra eu dar o braço a torcer às tentações literárias veio com a #dicanaval (que droga de blog! em 4 linhas já apareceram os jargões "pontapé inicial", "gota d´água e "dar o braço a torcer"! calma, leitor, é só uma firula satírica intencional com o clássico "método revista exame de se escrever"). "Mas o que é a #dicanaval?", perguntaria outro leitor incauto que naturalmente não conhece essa tag obscura. É que no meu tuíter (@paceaz) tenho me empenhado numa empreitada quase-diária para estabelecer um pouco de mentalidade marítima (veja o próximo post) nos meus honoráveis seguidores. Portanto, todo dia que entro no dito cujo, cuspo uma #dicanaval. Na dica de hoje eu quis responder à seguinte pergunta: "por que as ondas quebram na praia?". Tentei sem sucesso condensar a explicação em 140 caracteres. Aí lembrei do meu combalido blog, que estava adormecido enquanto eu esperava uma oferta de R$100 reais para vender o domínio . Uma oferta que nunca veio... Ainda bem, senão não teria um espaço maior para dar vazão à migalha de conhecimento marítimo de hoje. Enfim, ei-la, resumidamente:

As ondas quebram na praia porque ocorre uma diferença de velocidade entre a parte superior e a parte inferior da onda. Nas ondas do mar, a água se movimenta em trajetórias circulares, como aparece na figura aí embaixo. O ponto A representa uma profundidade da água maior e o ponto B, menor. A seta 1 indica a direção de propagação da onda. O ponto 2 indica a crista da onda e o ponto 3, o vale. À medida que a profundidade diminui, a velocidade da água em pontos mais profundos vai diminuindo muito por causa do atrito. E as trajetórias se achatam, de círculos para elipses. A diminuição de profundidade também provoca o aumento da altura das ondas.



















Aí, tendo seu topo avançando mais rapidamente que sua base (ou seja, com a velocidade da crista da onda sendo maior que a velocidade da própria onda), ela finalmente entra em colapso, e nós a vemos quebrando. Vejam esse vídeo curtinho pra entender melhor o fenômeno:


Geralmente as ondas começam a quebrar quando atingem profundidades de aproximadamente 1.3 vezes a sua altura.

Pergunte "e daí?" depois de toda essa explicação que eu te mato! Pelo menos agora você vai ter assunto com aquela gatinha na praia.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

do porquê da existência do blog

Este blog, criado em 2007, é apenas uma especulação com um nome que acho próspero. talvez um dia ele se torne operacional.