sexta-feira, 27 de maio de 2011

Andando na Selva #2 - As gigantes

Toda vez que ando numa floresta, fico atento às árvores. Elas estão por toda parte, mas cada uma tem seu tamanho, sua forma, seus frutos, suas folhas, sua cor, sua textura. 

É tudo verde, então é tudo igual?


Tento enxergar, e não só ver, principalmente porque toda essa realidade concreta e natural encerra um conhecimento infinito, assim como uma grande biblioteca. Há num hectare de floresta muito mais do que uma pessoa pode aprender numa vida inteira de estudo e observação. Dessa biodiversidade toda, quero falar sobre duas árvores. A primeira é apaixonante.

Ah, a castanheira! A bicha é bandida. Uma colossalidade* que chega a até 50m e domina as alturas da mata. Sua copa um tanto retorcida e espalhada é reconhecível à distância. Tem nome mais adequado para essa árvore do que Bertholletia excelsa? Excelsa! É isso que ela é. Mas é perigosa também. Os frutos, ou ouriços, caem no final da estação chuvosa: em janeiro e fevereiro. Nessa época é perigosíssimo andar em lugares onde a castanheira é abundante, pois se o ouriço cai da cabeça do caboclo, a morte é certa. É um fruto duríssimo. 

Ouriços roídos pela cotia. Dentro deles estão as castanhas.


Imagine uma bola de boliche caindo de 40m de altura. No chão da mata, dá pra notar que os ouriços chegam com tanta violência que se enfiam terra adentro. Só animais roedores, como a cotia, conseguem perfurar o fruto, para comer as castanhas que estão dentro. Tente quebrar um ouriço com as mãos e você não conseguirá. O homem tem que recorrer ao facão. 

 Castanheira em Humaitá, AM (Iberê Thenório, Globo Amazônia)

A castanheira é uma árvore vital para a economia amazônica, mas a produção tem caído nas últimas décadas, devido ao desmatamento e à falta de árvores jovens na mata. Isso ocorre devido ao extrativismo não planejado: como as castanhas (que são as sementes) têm sido retiradas da mata, não tem havido a formação de novas árvores. O preço da castanha, porém, só sobe, devido à demanda crescente. Da colheita ao ponto-de-venda, é um bom negócio.

O gênero que costuma ser mais abundante em florestas é o ficus. É impressionante o quanto esse gênero é importante para a humanidade. Na história de Adão e Eva, assim que pecaram, eles se cobriram com folhas de figueira. É a primeira árvore chamada pelo nome na Bíblia. 

 A queda do homem, óleo de Ticiano (1570)


Cristo citava a figueira extensivamente em seus discursos; é uma árvore muito comum no Mediterrâneo. Pois bem, a figueira comum, dos figos que a gente come, é do gênero ficus. A trepadeira unha de gato e a árvore sagrada do Hinduísmo e do Budismo (Bodhi ou Bo, que é uma ficus religiosa) também. Mas voltemos à Amazônia. Há uma enormidade de árvores do gênero ficus na floresta, que são chamadas por vários nomes, como gameleira, caxinguba, figueira e apuí, pra citar alguns. Duas características de grande destaque dessas árvores são o fruto e a raiz. O fruto porque é fonte de alimento para a fauna. O veado e a anta adoram a frutinha da caxinguba. Tanto é assim que o caboclo costuma "esperar" na caxinguba, isto é, esconder-se nas imediações ou no alto da árvore para caçar. Quanto às raízes, elas precisam sustentar uma árvore que é muito frondosa, e por isso se espalham muito. São "aéreas", ou seja, serpenteiam por muitos metros acima do solo. No seringal cachoeira, em Xapuri (AC), vi algo espetacular: um apuí com mais de 100m de raiz contínua acima do solo. Veja no vídeo abaixo o Nilson e eu seguindo os caminhos da raiz:


Falei de duas árvores amazônicas. Faltam alguns milhares. "O que conhecemos é uma gota; o que ignoramos é um oceano". Essa célebre frase de Newton traduz muito bem os mistérios da floresta. Quando você ver aquelas imagens panorâmicas da floresta amazônica, em que o verde parece um tapete uniforme, indecifrável, até monótono, lembre da castanheira e do apuí. Cada árvore ali tem seu valor, sua história, seu poder. Elas sustentam o ecossistema todo, já que floresta sem árvore não é floresta.



*  "Sim, que, à parte o sentido prisco, valia o ileso gume do vocábulo pouco visto e menos ainda ouvido, raramente usado, melhor fora se jamais usado. Porque, diante de um gravatá, selva moldada em jarro jônico, dizer-se apenas drimirim ou amormeuzinho é justo; e, ao descobrir, no meio da mata, um angelim que atira para cima cinqüenta metros de tronco e fronde, quem não terá ímpeto de criar um vocativo absurdo e bradálo - Ó colossalidade! - na direção da altura?" 

Trecho do que é, para mim, um dos mais lindos pedaços de literatura brasileira: o conto São Marcos, de Guimarães Rosa. O angelim, irmão da castanheira em opulência, causou tanto espanto no escritor que o impeliu a criar uma palavra nova.

Nenhum comentário:

Postar um comentário