quinta-feira, 19 de maio de 2011

Palavras de Gilberto Freyre sobre nossas florestas

Gilberto Freyre, grande brasileiro! Esses dias descobri a biblioteca virtual de suas obras, onde podem ser encontrados seus artigos, palestras e livros (entre eles o lendário "Casa Grande & Senzala").
Alguns dos artigos me chamaram muito a atenção. Ele era um tremendo pensador do Brasil, e foi um dos primeiros a ver nosso país como líder dos trópicos. Inovou também em conceitos sobre a arquitetura brasileira, a política e suas necessidades de modernização, as relações sociais e a valorização do negro, entre outros temas. 

Gostaria de destacar, porém, um texto que estava décadas à frente de seu tempo, escrito em 1935. O original você encontra aqui. Nesse texto ele fala do caso de Fordlândia (concessão do governo brasileiro à Ford de vastas porções de terras amazônicas, com o objetivo de produção de borracha natural em larga escala). Mas veja as considerações que ele faz sobre a necessidade de preservação da floresta:

                  "(...)   
             O americano Ray Nash, depois de estudar o problema das florestas no Brasil, fez a advertência mais grave que nos deixou em livro: "Brasileiros, cuidado com vossas florestas".

Essas florestas do Brasil constituem hoje a maior massa de matas tropicais da América e talvez do mundo. Mas não são eternas. Elas se esgotaram no Mediterrâneo - se não se adaptar entre nós uma política de socialização e da conservação, ou seja, na floresta bruta não o inimigo terrível da agricultura e da indústria e a ser vencido quase militarmente a machado e a fogo - "o machado civilizador", como diz Assis Chateaubriand; não a mina a explorar em proveito de duas gerações ou três, e com o sacrifício das vindouras; não o parque ideal onde exercer-se a ganancia do interesse particular em prejuizo do geral - mas alguma coisa de superior aos interesses de uma geração ou duas, de um grupo ou dois de ricaços, de um tipo único de atividade economica e agrícola.
Há areas no Brasil que desde já devem ser as que os técnicos chamam de "matas absolutas" - areas inacessiveis não só aos Fords americanos, ingleses, alemães e japoneses, com os brasileiros com os nomes nossos romanticamente indígenas: Abaetés, Caramurús, Carapebas, Ipirangas - areas que precisam de ser quanto antes nacionalisadas e socializadas, para assegurar a utilização social permanente de suas florestas. As grandes manchas de verde profundo que se alongam pelo interior do Paraná, entre São Paulo e a Bolívia e pelo litoral do Espírito Santo estendendo-se triunfalmente pela região amazônica.
(...)
A agricultura e a indústria devem ter suas fronteiras e seus limites.
Nash, que estudou o problema florestal brasileiro, depois de ter adquirido profunda experiência tropical nas Filipinas, já previa, há dez anos, que o Brasil, com suas reservas magnificas de matas, se tornasse, nestas alturas do século XX, o ponto principal de cobiça dos grandes industriais de madeira de sua terra que fatalmente se juntariam com políticos e com homens de governo da nossa. E com toda a honestidade deu o grito de alarme contra os perigos de "expansão capitalista" lembrando aos nossos homens de governo o exemplo da Índia, que ia já se saharizando, quando adotou uma política energicamente coletivista com relação as matas, sob o controle de um grande técnico: o alemão Dietrich Brandis.
(...)
Mas a verdade é que as manobras e penetrações do grande capitalismo já não podem ser interpretada conclusivamente em termos de petróleo: também em termos de quedas d'água e de matas."


FREYRE, Gilberto. As matas do Brasil. Folha do Povo. Recife, 12 Ago. 1935.



Apenas dois comentários. 
Em primeiro lugar, as "grandes manchas de verde profundo que se alongam pelo interior do Paraná, entre São Paulo e a Bolívia e pelo litoral do Espírito Santo" foram pro pau. Hoje são plantações de eucalipto, soja, milho, algodão, cana e pasto. Não sou contra essa ocupação do solo, pelo contrário, dela precisamos. Mas foi uma ocupação feita sem freios e hoje, quase 80 anos depois, vemos com tristeza que praticamente não há mais mata nativa nesses regiões. A Mata Atlântica, que se estendia do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, agora está reduzida a 7% de sua cobertura original. 
Em segundo lugar, ele se refere a "manobras e penetrações do grande capitalismo", que na época faziam lobby para explorar nosso subsolo. Essa briga foi tão ferrenha que teve uma distensão apenas em 1953, com a criação da Petrobrás. Já a cobiça internacional por nossas matas e nossa água é um problema muito mais recente, que mesmo hoje ainda não se verifica tão profundo. Entretanto, este é um fato do século XXI: com a escassez mundial de cobertura vegetal e de água, os países que detém essas riquezas estarão em posição favorável. Bom para o Brasil.



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