Andando numa clareira.
Em janeiro de 2011 o autor deste blog fez uma viagem que mudou sua vida.
Moro em São Paulo, e fui ao Acre pela terceira vez. O Acre é um lugar que desde minha primeira visita amei. Amei especialmente por causa dos acreanos, gente adorável e acima de tudo, combativa. Não se meta com o povo de lá, porque é muita gente destemida num lugar só. Mas isso é assunto para outro texto.
Enfim, pra lá voltei, como quisera por um bom tempo. Dessa vez, o que meus sentidos capturaram naquelas 3 semanas tiveram impacto definitivo em minha visão da Amazônia e do mundo. Foi algo totalmente novo.
Moro em São Paulo, e fui ao Acre pela terceira vez. O Acre é um lugar que desde minha primeira visita amei. Amei especialmente por causa dos acreanos, gente adorável e acima de tudo, combativa. Não se meta com o povo de lá, porque é muita gente destemida num lugar só. Mas isso é assunto para outro texto.
Enfim, pra lá voltei, como quisera por um bom tempo. Dessa vez, o que meus sentidos capturaram naquelas 3 semanas tiveram impacto definitivo em minha visão da Amazônia e do mundo. Foi algo totalmente novo.
Desde a volta dessa viagem me propus a publicar aqui uma série de textos sobre essas experiências. Este é o primeiro e, ao longo das próximas semanas, outros virão.
Como introdução, me parece adequado traçar alguns comentários a respeito de dois mundos que parecem - apenas parecem - independentes: o verde e o cinza.
O homem criou um mundo paralelo, o metropolitano, em que a natureza tem sua relevância reduzida a quase nada. É possível passar dias sem ver uma porção de terra nua. É possível passar semanas tendo um contato com o mundo animal restrito a moscas e pombos.
Ignora-se a existência das estrelas e do sol (como dizem alguns, o crepúsculo é o maior espetáculo da terra; tem a sutileza de ser diário e gratuito, e ainda assim é menosprezado). Não se notam os rios. Em São Paulo, tente falar "tal lugar é depois de se atravessar o rio" e você receberá um sobrancelha levantada. Fale "tal lugar é depois de se atravessar a marginal" e você será então compreendido. A via rodoviária, que recebe o nome de marginal porque acompanha a margem do rio, toma então o lugar de protagonista que só ao rio caberia.
Na metrópole, o trabalho é em geral sedentário. Se é braçal, está ligado à técnica (como mecânica ou construção civil) e não à terra. Existe o síndico, o executivo, o policial, o frentista, o jurista. Já o agricultor, o camponês, o índio, o seringueiro, todos parecem fazer parte do passado ou nem mesmo existir. Mas eles não só existem como são indispensáveis à vida neste outro mundo paralelo.
Ignora-se a existência das estrelas e do sol (como dizem alguns, o crepúsculo é o maior espetáculo da terra; tem a sutileza de ser diário e gratuito, e ainda assim é menosprezado). Não se notam os rios. Em São Paulo, tente falar "tal lugar é depois de se atravessar o rio" e você receberá um sobrancelha levantada. Fale "tal lugar é depois de se atravessar a marginal" e você será então compreendido. A via rodoviária, que recebe o nome de marginal porque acompanha a margem do rio, toma então o lugar de protagonista que só ao rio caberia.
Na metrópole, o trabalho é em geral sedentário. Se é braçal, está ligado à técnica (como mecânica ou construção civil) e não à terra. Existe o síndico, o executivo, o policial, o frentista, o jurista. Já o agricultor, o camponês, o índio, o seringueiro, todos parecem fazer parte do passado ou nem mesmo existir. Mas eles não só existem como são indispensáveis à vida neste outro mundo paralelo.
Os alimentos do prato do brasileiro dependem da pequena e média propriedade, que fixa o homem no interior. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), a agricultura familiar fornece cerca de 70% dos produtos que chegam às mesas brasileiras. O índio "gerencia", ocupando as terras indígenas, aproximadamente 13% do território nacional, preservando nossas terras e sua biodiversidade para nossos descendentes. Eles são verdadeiros gestores do futuro. O seringueiro hoje é um extrativista. Seu trabalho mudou, ampliou-se. Além da extração do látex (matéria-prima da borracha natural), o seringueiro retira da floresta, de maneira sustentável, uma vasta gama de produtos. Nossa castanha, nosso açaí, camisinhas e luvas cirúrgicas, o taco que colocamos no assoalho e a madeira boa dos móveis nobres, grande parte de tudo isso vem das colocações dos seringueiros. Dos caboclos amazônicos saem frutas, hortaliças, leite. Sai o cacau que dará origem ao chocolate.
Casa do Lacerda, um pai de família do interior acreano. Ele ainda será muito citado aqui.
Todos esses grupos sociais dão ao país uma outra enorme contribuição: eles ocupam o território, que de outra maneira seria ainda mais vulnerável do que já é, tanto a investidas de interesses internacionais como à integridade de nossa unidade territorial. E ao ocupar o território, mantêm preservadas largas porções de floresta, que é em si uma das maiores riquezas da humanidade.
Entretanto, esse mundo "natural" também depende do metropolitano, do mundo "civilizado". Ele precisa de infra-estrutura. Precisa de estradas para transportar pessoas e bens, precisa de comunicações, de energia elétrica, de saneamento. O Brasil profundo precisa de preços mínimos para seus produtos, precisa de financiamento público, de um judiciário presente, de segurança pública. E, além disso, precisa dos produtos industrializados que as metrópoles inventam. Não há um caboclo que dispense armas de fogo, lanternas ou panelas de aço.
Minha casa em São Paulo. Alguma semelhança com a foto anterior?
Não há dúvida que o mundo do interior amazônico é mais vulnerável que o mundo cosmopolita do lado de cá. Não há dúvida que eles têm dimensões geográficas, humanas e econômicas altamente díspares. Mas não podemos continuar vivendo como se fossem mundos independentes. Afinal, somos um mundo só. Um só país, um só planeta.
Essa foto da paisagem de São Paulo é praticamente um choque.
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