quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Sete Trovas, #1

Com uma periodicidade ainda desconhecida, farei posts com sete trovas cada um. Este é o primeiro deles.


I. 
Não se pode usar canhão
Não se pode usar falange.
Mas podemos ter à mão
mais uns Julians Assange.

II.
Tem conceito que é tolice...
O que é crime organizado?
No Alemão ordem não viu-se.
Só correu descamisado.

III.
Para o que é bom, que enobrece,
que nos dará alegrias.
Para uma vida que preste:
vamos olhar pro Messias.

IV.
Ele mata e vitaliza
Unifica e separa
Leva cinzas, traz a brisa
O oceano o mundo sara.

V.
Como louca vem a morte.
Lhe parece indiferente
se o finado foi um lorde
ou se foi um indigente.


VI. 
Na cidade de São Paulo
Nunca vejo sabiá!
É um céu com mais estrelas?
Eu não quero morrer lá!

VII. 
Urubupungá e Dalçoquio!
Tem cada marca poética...
É como se o empresário
Buscasse uma nova estética.



Em tempo: saiba mais sobre a lendária trova na wikipedia e no site da impagável e magniloquente União Brasileira de Trovadores. Sim, existe uma União Brasileira de Trovadores!


Veja aqui o Sete Trovas, #2. 

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Elogio ao João-Vermelho

João-Vermelho é o esquerdista revolucionário, o inconformado. Neste post, João foi criticado. Mas, figura complexa que é, ele também tem os seus predicados.


O atributo mais admirável no João-Vermelho é sua lealdade. Admiro gente que estuda um ideal, crê nele e o serve.  Posso até discordar de um ideal, mas ao ver pessoas dedicadas a ele, bato palmas. Pois há poucas coisas mais detestáveis do que uma pessoa que só pensa em si, que tem como objetivo último de existência servir aos seus próprios interesses. Não é todo mundo trabalhando pelo interesse próprio que produz o bem comum. Isso seria mostrar que existe a mão invisível, que segue invisível até hoje. Mas é todo mundo trabalhando pelo interesse comum (e não apenas o próprio) que produz o bem comum.

Logo, o altruísmo e a abnegação são as mais nobres das virtudes, pois concorrem para o bem de todo mundo. Esse é inclusive o ideal do Cristianismo, o reconhecimento de que não é o interesse individual que mais importa. Deus está muito acima desses interesses. O amor a Deus é prioridade. E em igualdade ao amor a si mesmo, está o amor ao outro. Quando João-Vermelho renuncia a possíveis vantagens ou confronta pessoas por acreditar em princípios e ideias, ele está dando um valioso exemplo de boa conduta. Ele é leal, apaixonado. O mundo precisa de gente apaixonada e fiel. Num tempo de tanto relativismo, rochas fixas são muito bem-vindas, pois balizam o debate, e podem ser tanto elogiadas quanto atacadas. O problema do relativismo é que não pode ser nem criticado nem louvado, porque sempre está mudando. É uma postura furtiva e covarde.

Outra vantagem de termos o João-Vermelho atuante é seu zelo por questões que são diminuídas ou até mesmo ignoradas por grande parte dos homens públicos. Lembre-se do Plínio. Sem ele, teria o tema do salário mínimo sido debatido da maneira que foi? Seria o problema da dívida colocado em pauta? E ainda esses são temas pontuais. Há questões mais importantes. Sem João-Vermelho, falaríamos sobre a gravidade do problema da concentração de riquezas no Brasil, especialmente o capital e a terra? Falaríamos das sinistras desigualdades, da miséria, da opressão, da segregação? Falaríamos da importância dos movimentos sociais? Ou apenas os rotularíamos como bandidos? E quanto ao comum alinhamento cego às potências internacionais? João-Vermelho fala em autonomia internacional, fala em integração lationoamericana. Ele critica privatizações feitas a preço de banana. Não só no Brasil: na Colômbia, no México, na Costa Rica, na Rússia. Pois assim engordaram até à imoralidade homens como Carlos Slim, Daniel Dantas e Roman Abramovich.

Posso discordar muito do João-Vermelho. Ele é tolerante demais com uns, intolerante demais com outros. Ele é radical demais. Ele é aprendiz de ditador. Ele é crente em experiências malsucedidas. Mas, João, que bom que você existe. Como disse Voltaire, “eu discordo do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Sobre alternativas para o desenvolvimento da Amazônia

Enquanto o mundo discute maneiras de tornar as florestas valiosas em pé como forma de coibir o desmatamento, uma reserva em Xapuri, no Acre, pode ser parte da solução. Graças à luta dos seringueiros da Amazônia para garantir a sua posse sobre a terra, ao carisma e obstinação de líderes como Chico Mendes e às parcerias entre organizações sociais, governos, ONGs e a iniciativa privada, um novo modelo de desenvolvimento foi proposto e executado. Trata-se de um projeto agro-extrativista onde o desenvolvimento sustentável é uma realidade e não apenas uma falácia calculada. Para falar sobre as ideias de sucesso implementadas na Amazônia e sobre seus problemas e soluções, conversamos com Nilson Teixeira Mendes, um dos líderes da Reserva Extrativista Chico Mendes. O Sr. Nilson é seringueiro e extrativista, detentor de vastíssimo conhecimento dos mistérios, da fauna e da flora da floresta. Primo de Chico Mendes, participou dos empates dos anos 80 e é peça-chave no Seringal Cachoeira, área de 24 mil hectares onde 86 famílias vivem em harmonia com a floresta, não somente para subsistência, mas também para geração de renda. 
A seguir, os principais trechos da entrevista. As fotos são de Clevson Menezes, grande amigo meu, que é fotógrafo. Visitem o site dele em http://www.clevsonmenezes.com/.



Paulo Azevedo: Você poderia falar um pouco sobre a história do seringal Cachoeira e sobre a luta que foi pra que ele fosse protegido, por meio da criação da reserva extrativista?

Nilson Mendes: [Desde o primeiro ciclo da borracha], chegavam os nordestinos para explorar a borracha e acabaram se adaptando à floresta e ficando produzindo até os anos 60. Depois dos anos 60 começou a melhorar, entrar mais um produto que é a castanha. Começou a ser conhecida fora do Brasil, no Brasil poucos conheciam a castanha, era produzida aqui e já saía diretamente para exportação. Aí veio o tempo que o governo brasileiro achava que esse potencial florestal não era mais viável. Então veio aí os anos 70 quando foi aberto o espaço para a pecuária. Aqui no Acre, como é uma parte muito boa, com muita terra plana, aqui foi que chegaram muitos sulistas que começaram a trocar a floresta pelo boi. Então desmatava a floresta, queimava e botava o boi. E o seringal cachoeira até os anos 70 ficou ainda comandado por patrão e daí o patrão conseguiu que demarcasse a sua terra e a vendeu pros fazendeiros. O que ele queria era transformar esses 24 mil ha de floresta em pastagem.
Aí a gente começou a ver que a gente tinha que se organizar. Porque não adiantava o sindicalista falar em conservação ambiental sem o processo produtivo. Então o movimento organizado através do empates foi muito em cima disso. Aí eles passaram um trecho de terra, uma parte do seringal pra um fazendeiro chamado Darli Alves. Aí ele foi e prometeu que se ele perdesse isso aqui o Chico não viveria, então foi isso que aconteceu. Nós os seringueiros fizemos o empate de 3 meses e conseguimos a conquista da terra, mas eles mataram o Chico Mendes, em 22 de dezembro de 1988. Em 1989 foi quando o governo assinou o decreto de assentamento de reserva, depois que mataram o Chico Mendes, um ano depois.
Pra gente se estabilizar a gente teria que ter um processo econômico mais viável, e a gente não tinha acesso, não tinha estrutura. E a gente começou a observar que tinha que buscar apoio, mas não tinha apoio em canto nenhum porque não tinha governos voltados pra essa população tradicional, aí a gente teve que se organizar em cooperativas e associações e pensamos em criar uma associação porque diziam "Só podemos liberar dinheiro se tiver associação e estiver OK", mas ninguém sabia o que era uma associação e o que precisaria pra uma associação funcionar. Aí a gente fez um projeto de desenvolvimento pra comunidade, conseguimos trazer os banqueiros, o BID, o BNDES e outros aqui. Também trouxemos ministros, presidente da república, e aí começamos a mostrar que era possível o desenvolvimento das comunidades amazônicas. Que a gente tava aqui na ponta mas a gente tem um potencial muito forte, não só a seringa, não só a castanha, não só a madeira. Torraram muita madeira. Brocavam, derrubavam, queimavam, sem tirar esse potencial e expor no mercado, e servir a sua própria sociedade. E sim, só viam o caminho da exportação e pouco tiravam de qualquer forma. E aí a gente teve que trabalhar os processos diferenciados pra comunidade, no caso o manejo florestal de uso múltiplo, e aí trouxemos em 99 o plano de manejo florestal de madeira pra cá.

Paulo Azevedo: Qual é a renda média de um trabalhador aqui na reserva ao longo do ano?

Nilson Mendes: A renda média é de R$ 6000 por ano, que é um valor muito alto, pois em alguns lugares estão em saldo negativo.

PA: Nesse valor o senhor se refere ao manejo da madeira e também castanha e seringa ou somente a madeira?

NM: A gente tem 30 famílias envolvidas no manejo da madeira mas a maior parte é só na castanha, borracha, açaí e a sua roça pra subsistência. Então assim, a gente sabe que esse projeto de manejo florestal é uma composição, é um projeto piloto.
Em 10 hectares de floresta de manejo florestal nós temos em média 338 árvores em ponto de corte. Mas, enquanto temos 338 árvores, nós só selecionamos para um prazo de 40 anos uma média de 25 árvores, quer dizer, 10 m3 por hectare, enquanto uma empresa, com corte profundo, tira 70 m3 num hectare. Então a gente sabe que isso garante a sustentabilidade e a continuação das espécies sem botar em risco sua sobrevivência.

PA: Para que o nosso leitor possa ter uma idéia do valor da floresta em pé, quanto vale mais ou menos o m3 da madeira dessa qualidade que o senhor mencionou?

NM: Olha, quando tem todo o acabamento final, dá uma média de R$ 1200, só que o custo dessa produção pra ficar assim acabado chega a uns R$ 800 reais. Para o produtor, fica ao redor de R$200 livre por metro cúbico. Mas isso já é muito porque o processo de garimpagem pagaria R$10 por m3 e em muitos cantos não pagaria nada porque ele sabia que se o produtor pressionasse perderia o produto porque é um processo ilegal, e quando é ilegal, todo mundo sabe o que dá. Então é muito melhor você pagar, porque isso é sustentabilidade também. Então esse plano a gente tá trabalhando ele e tá vendo se a gente aumenta cada vez mais a renda pro produtor, mas a gente sabe que não é fácil, porque o produtor sempre é visto como segundo plano. Mas aqui no Acre a gente já tem dado uma patente mais alta para os extrativistas, para os seringueiros. E a gente discute o processo de desenvolvimento sustentável. E a sustentabilidade não é produzir só madeira. Aquele que estiver pensando em produzir só madeira esqueça, porque isso não é plano de desenvolvimento. Pra nós, amazônicos, a monocultura não é desenvolvimento sustentável. O que é sustentabilidade pra nós incorpora não só a seringa, a castanha, a madeira, o açaí e outros produtos, mas o peixe, a fauna e tudo o que o produtor tem, como galinha, pato e porco e tudo o que ele cria em volta da sua casa. Quem está lá fora deve enxergar isso, e ver a floresta não só como um santuário, mas como uma área que pode produzir e manter o verde para sempre.

Conversa na mata. Helliny estava com a gente, amiga goiana com coração acreano.

PA: Quais as perspectivas de que a reserva receba dinheiro por manter a floresta em pé, seja de governos estrangeiros ou do governo federal? Ou de receber por créditos de carbono?

NM: Essa é uma discussão nova que está acontecendo aqui na Amazônia. Vive na Amazônia muita gente pobre, muita gente carente, muita gente ainda passa necessidade com tanto dinheiro que circula no mundo. Eu acredito que o Brasil tá fazendo uma campanha de mostrar para o mundo que nós somos capazes de fixar carbono e essa é uma discussão que acontece e a gente pode com certeza ganhar para que a floresta se mantenha e pé. Eu acho que isso seria muito viável, mas precisaria que todos aqueles que degradaram pudessem fazer o seu reflorestamento e manter o equilíbrio.
E a gente sabe que árvore crescendo é sequestro de carbono. Então a árvore que já parou de crescer ela não vai mais fazer isso. Quando você tira e dá oportunidade pra outra crescer, você está fazendo exatamente o que a Amazônia precisa, o que naturalmente a natureza já faz.

PA: O governo federal e o governo do Acre implantaram aqui em Xapuri uma fábrica de preservativos. Qual foi o impacto dessa fábrica no mercado de borracha e aqui na reserva?


Extração do látex da seringueira.

NM: Essa fábrica de preservativos foi um benefício muito bom. O Acre não tinha infra-estrutura adequada até 3, 4 anos atrás. E a gente falava em desenvolvimento sustentável com os produtos produzindo, mas não tínhamos uma fábrica de beneficiamento de castanha de qualidade, não tínhamos uma fábrica de preservativos, então assim, todo produto tinha que sair para fora pra voltar novamente pra gente comprar esse produto muito caro. Na verdade a fábrica de preservativo veio ajudar muito pra gente reativar todas as estradas de seringa porque a seringa tava bancando até 3 anos atrás R$250 por ano em média pra cada família extrativista. Então estava quase sendo inviável você abrir uma estrada e cuidar dela, e cortar. Porque não é fácil você rodar 14km por dia a pé pra manter o látex à disposição da fábrica, se não tivesse um preço melhor. Porque hoje se paga R$4,80 por quilo de borracha seca (preço no segundo semestre de 2009), quer dizer 2L de leite vai dar um quilo de borracha seca. Quase todos os seringueiros aqui em Xapuri conseguiram voltar a suas terras e fazer a reabertura das suas estradas. Tiramos, aqui no cachoeira, uma média de R$4160 no ano passado no látex. E na castanha, uma média de R$3000 (Nota do entrevistador: somando esses valores, temos mais que os R$6000 anteriormente referidos. Isso ocorre pois esse valor é a média de todos os trabalhadores da reserva. Mas nem todos produzem tanto látex quanto castanha. Os valores individuais de cada produto se referem à média dos trabalhadores que o produzem). Eu acho que uma unidade com uma média de 300 ha de floresta tem capacidade sim de manter os seus filhos e netos ali localizados no local de forma ordenada. Mas isso precisa de um bom monitoramento e com certeza o governo vai estar empenhado pra bancar esse desempenho junto aos segmentos sociais que a gente sozinho não tem força. Mas quando juntamos os segmentos sociais com o poder de governo e buscando uma parceria de troca de experiência e conhecimento com as universidades do Brasil e do mundo a gente é capaz de fazer uma história mudar, e mudar a vida de um povo.

PA: A gente percebe uma atividade muito grande das ONGs estrangeiras aqui no Acre. Você já teve contato com alguma entidade, ou pessoas, que estão se disfarçando de membros de ONGs, de ambientalistas, mas na verdade estão defendendo os interesses das grandes potências e de suas empresas?

NM: A gente sabe que há muitas pessoas interessadas nisso. Mas a gente também tem que aprender a fazer uma troca de experiências. A única coisa que você tem que ter é auto-controle nas comunidades para que não aconteça a biopirataria. Agora, quem quiser contribuir para o desenvolvimento sustentável, a gente tá de braços abertos pra receber e trocar experiências.


 Linha (estrada secundária) no Seringal Cachoeira.

PA: Como está a cooperação da reserva com universidades ou com empresas para que o conhecimento que foi acumulado aqui ao longo das décadas sobre todo esse potencial que a Amazônia tem, seja explorado e chegue mais facilmente às pessoas de fora da região?

NM: A cooperação é muito importante quando as universidade entram, os órgãos de pesquisa como Embrapa e outros entram. Aí começa a descobrir, mesmo às vezes demorando, porque pesquisa você sabe que leva tempo para dar um resultado. Mas é melhor começar agora do que começar depois, quando não tiver mais jeito. Eu acho que ainda temos jeito na Amazônia e sim, esses processos de pesquisa, troca de experiência, eles são muito importantes. É muito importante a questão de descobrir os potenciais medicinais, para salvar vidas. E também as riquezas biológicas, para garantir as espécies para o futuro e evitar os riscos de extinção.
Eu só acredito que a gente pode ter um grande sucesso futuramente porque já tá tendo essa cadeia, essa troca de experiência entre o poder capital e o poder social. E mostrar que só trazendo o processo de engenharia e as faculdades pra desenvolver as pesquisas e mostrar os potenciais que temos, isso é capaz de mostrar a sustentabilidade que a floresta tem.




[Texto publicado em março de 2010 no jornal "O Politécnico"]

sábado, 9 de outubro de 2010

Sobre excentricidade

Hoje temos Lady Gaga.




Mas antes dela, havia Bjork.




E antes da Bjork, havia Louis XIV.




Mas, minha gente... Muito antes deles todos, havia as aves-do-paraíso.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Crítica ao João-Vermelho

João-Vermelho sonha com a revolução. Com aquele dia glorioso em que os politicamente iluminados, os visionários da justiça, os sedentos de poder, os operários, os estudantes militantes e os oprimidos tomarão armas e destituirão a burguesia fétida do comando. Ele sonha com o dia em que o neoliberalismo será não só um jargão, mas um jargão morto. João-Vermelho matará o neoliberalismo. E em seu lugar colocará o neoestatismo e a neoditadura (que, como é do proletariado, é boa).


João-Vermelho não gosta de hierarquia. Para ele, a igualdade é um dogma a ser levado às últimas consequências. A única hierarquia que ele admite é a de ideias: as dele sempre estão acima das outras. Ele não crê no debate, ele crê no deus do debate. Trata-se de um deus não sujeito ao tempo. Deus-debate pode agir por tempo indeterminado, talvez milhões de anos, mas certamente produzirá o resultado mais favorável para a vida na terra. É, portanto, uma espécie de seleção natural da política. O deus-debate de João-Vermelho deve saber de tudo. Para toda e qualquer decisão, recorre-se a ele.

Um conceito extremamente reacionário para João-Vermelho é a disciplina. Ora, a disciplina é uma amarra, diz ele, pois coíbe a contestação, a rebeldia o ser-do-contra. Ela é um instrumento de dominação e, por violar o princípio joão-vermelhista da horizontalidade absoluta, não cabe na sociedade. As pessoas devem ser livres para fazer o que bem entenderem no seu país, no seu território. Os melhores territórios são os territórios livres, pois ali há auto-determinação dos povos. João-Vermelho é um cara muito livre. Liberdade é seu mote. Ainda que a bagunça seja a glosa.

João-Vermelho gosta de questionar. Depois de arquitetar a revolução, esse é o seu maior passatempo. Apesar de o questionamento ser um dos pilares da Universidade e de essa atitude gozar de excelente prestígio no mundo intelectual, João-Vermelho acha que não se questiona o bastante por aí. A faixa de pedestres poderia ser quadriculada e não listrada. As árvores deveriam ser móveis e comunicativas. E por que tanto o céu como o mar são azuis? Com tanta cor disponível! O fenômeno do questionamento é mais agudo em João-Vermelho porque ele não se conforma com o estado das coisas. Ele quer mudar as coisas. Por princípio. Qualquer atitude em outra direção é sem dúvida reacionária e alienada.

Mas há um conceito visceralmente nefasto para João-Vermelho: a propriedade. Terra, por exemplo, deveria ser pública. E para plantar uma samambaia, o produtor deveria consultar o funcionário da repartição competente. As fábricas também. Como se sabe, para se disponibilizar produtos de alta qualidade e a custos baixos deve-se acabar com a competição, a livre-iniciativa e a possibilidade de se obter lucros. Lucros? Disso João-Vermelho tem calafrios.

No fim das contas, quem sai no lucro com o pensamento joão-vermelhiano é o paradoxo. Nunca se viu a contradição exaltada a tão grandiosas alturas.


[Nem tudo é tão maniqueísta. Veja aqui o Elogio ao João-Vermelho]

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Sobre uma jornada impossível

O mais inóspito, seco, elevado e frio continente da terra. A Antártica, que fascina não apenas por ser remota mas também por ser bela, tem ganhado destaque nos últimos anos devido à sua relevância ambiental para o planeta. É ela a responsável pelas correntes marítimas que trazem vida para a parte meridional dos oceanos e nela está estocada aproximadamente 70% da água doce mundial. E com o agravamento do aquecimento global, a estabilidade das suas geleiras está cada vez mais ameaçada.


Aaaaahhhhh, a Antártica!

A despeito de todo o interesse político, econômico, ambiental e científico que a Antártica possa despertar, foi na sua interação com alguns homens que histórias memoráveis emergiram. No auge do seu processo de "conquista", entre o fim do século XIX e as primerias décadas do século seguinte, a atenção mundial era tal que somente encontraria paralelo nos tempos da corrida espacial, nos anos 60.
Uma das grandes lendas dessa era foi Ernest Henry Shackleton. Na verdade, muitíssimas linhas já se dedicaram a narrar as suas façanhas e, recentemente, seu nome tem sido louvado pelos gurus de gestão e liderança.
Shackleton participou da Expedição Discovery (1901-1904), liderada pelo Cap. Robert F. Scott e posteriormente liderou sua própria expedição, a Nimrod (1907-1909), o que o levou a alcançar fama e prestígio na Inglaterra. Scott foi o mesmo que comandou a lendária Expedição Terra Nova (1910-1913). Essa expedição chegou ao Pólo Sul em janeiro de 1912, apenas para descobrir que o norueguês Amundsen havia sido o primeiro homem a atingi-lo, um mês antes. Scott e seus 4 companheiros morreram de exaustão, frio e fome 2 meses depois, no caminho de volta.
Mesmo após a conquista do Pólo Sul, ainda era grande na Europa o interesse pelas explorações Antárticas, e Shackleton conseguiu levantar recursos para o que seria uma colossal façanha: cruzar o continente entre os mares de Weddell e Ross, passando pelo Pólo Sul. Encontrar pessoal não foi difícil: mais de 5000 homens se apresentaram. Foram, então, selecionados 56, que se podem classificar entre o perfil de cientista ou de aventureiro. Muitos eram ambos.



Parte da turminha do Shackleton

Shackleton dividiu-os igualmente em dois navios: o Aurora, que se estabeleceria no mar de Ross, enquanto o Endurance iria pelo mar de Weddell, e sua tripulação (comandada por Shackleton) cruzaria o hostil continente, cobrindo uma distância aproximada de 2900 km, até encontrar com a equipe do Aurora.


Cães que acompanhavam a expedição

Shackleton zarpou da Inglaterra em agosto de 1914, quase simultaneamente ao início da I Guerra Mundial. Em 5 de dezembro, saiu da Georgia do Sul (ilha britânica a leste das Malvinas) em direção à costa da Antártica, mas em meados de janeiro de 1915 o navio ficou preso entre placas de gelo. Começava a frustração dos planos da expedição, e também aumentava o potencial de conflitos entre a tripulação. Shackleton, que primava pela hierarquia, também adotava uma liderança mais participativa, misturando-se no dia-a-dia com os companheiros e dividindo todo tipo de tarefa entre todos, mesmo a limpeza do convés. Agora, com gelo por toda parte ao redor do navio, autorizava jogos de hóquei e futebol para aliviar as tensões psicológicas a bordo. Ao longo do ano, derivaram a oeste até que em outubro Shackleton deu a ordem para a abandonar o navio. Em 21 de novembro o Endurance foi esmagado pelo gelo e afundou.

Endurance alguns dias antes de sucumbir. 

Os 28 homens, já há quase 1 ano sem pisar em terra firme, perderam assim a pouca segurança que tinham e toda a sua esperança se depositou nos 3 botes e no comando de Shackleton. Acreditando que a deriva na direção noroeste os levaria ao encontro de terras com presença humana, continuaram acampando sobre o gelo por mais 5 meses até que a desintegração do gelo os obrigou a subir nos botes e navegar. Após dias no mar, finalmente chegaram à Ilha Elephant, inóspita demais para se esperar por resgate. Shackleton então decide partir em direção a Georgia do Sul, a 1300km de distância, onde havia uma estação baleeira. Isso numa das regiões de piores condições ambientais do planeta, onde ondas gigantescas são comuns, os ventos são fortíssimos e ainda usando um bote de 7m de comprimento como meio de transporte!
Shackleton seleciona 5 companheiros para a viagem, dois deles que estavam causando problemas de relacionamento no grupo. Ele preferiu mantê-los perto do que arriscar-se a comprometer a convivência entre os que ficariam na Ilha Elephant esperando por ajuda.


Atravessando geleiras a pé. Puxando botes. Que tal?


Após 4 semanas enfrentando tempestades e especialmente um furacão que afundou um navio nas proximidades (eles até viram os destroços), finalmente chegam à Georgia do Sul, não sem antes ter problemas para encontrar um lugar de atracação seguro. Infelizmente, desembarcaram na parte desabitada da ilha, e atingir a estação baleeira pela água ficou inviável pois sair daquela enseada com tantos recifes seria muito mais difíficil do que foi entrar. Iriam, então, cruzar a ilha a pé, algo que nunca tinha sido feito antes, pois no seu interior só havia montanhas e glaciares. Apesar da fome e da exaustão, no dia 20 de maio de 1916, após 36 horas praticamente ininterruptas de caminhada, venceram os 27km que os separavam da baía Stromness. Cabelos e barba crescidos, as mesmas roupas no corpo sem lavar por quase um ano, e finalmente encontram a sua salvação. Ao se aproximarem do cais, um homem lhes perguntou, perplexo:
"Quem são vocês?"
"Nós perdemos nosso navio e cruzamos a ilha", disse Shackleton. 
"Vocês cruzaram a ilha?", disse o outro num tom que misturava descrença e indignação.

Ernest Henry Shackleton, o cara.

A primeira preocupação de Shackleton, porém, era com seus companheiros ainda em perigo. Mais dificuldades apareceram, pois havia escassez de navios durante o período de guerra. Shackleton tentou três vezes atingir o grupo da Ilha Elephant. Em duas delas, o gelo ao redor da ilha o impediu, e em outra, uma falha de motor. Até que, a bordo de um rebocador chileno, em 30 de agosto, Shackleton resgatou os homens, que estavam esperando durante os últimos 105 dias.
Apesar do fracasso em cumprir as metas da expedição, Shackleton trouxe de volta à Inglaterra todos os homens com vida.
Daria pra fazer muitas aplicações dessa história na nossa vida. Quero destacar duas. Em primeiro lugar: quer conhecer uma pessoa como ela realmente é? Se coloque com ela em situações extremas. Por favor, só não precisa levar seu namorado ou sua futura sócia para uma temporada de privação na Antártica. E em segundo lugar, quero só citar uma frase atribuída a Jean Cocteau e que sempre teve um forte impacto em mim: "Não sabendo que era impossível, foi lá e fez".


[Este texto foi publicado originalmente no jornal "O Politécnico", em 2008. Dei só uma modificada pra adequar ao formato do blog. Dois dos meus maiores ícones têm seus nomes unidos pela rima: Shackleton e Chesterton. A linhas acima são sobre o primeiro. Falarei sobre o segundo depois.]


quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Sobre o título do blog

A óbvia referência do título do blog à expressão popular "sem pé nem cabeça" me veio um dia desses, nos idos de 2007. Eu pensava na terrível lenda do cavaleiro sem-cabeça e em como ele talvez também não tivesse pés, pois sempre andava a cavalo. O equino poderia ser a única esperança do infeliz fantasma se locomover em busca de sua cabeça extraviada. Como seria impossível prová-lo, o devaneio não prosperou. Mas a ideia tinha algum pé e alguma cabeça, pensei. Foi aí que veio o alumbramento: ué, se tanto se usa a fala "isso é sem pé nem cabeça", por que não se usar "isso tem pé e cabeça"?


O problema é que um nome desses poderia me obrigar a dizer só o que faz sentido, só o que tem lógica. Desde já quero me eximir dessa posição: o mundo não se explica só pela lógica. E muito menos o mundo é movido à lógica. Uma mãe não ama o filho por lógica. A gente não tá poluindo o mundo por lógica. A eleição do tiririca não é lógica. Falar lógica 8 vezes no mesmo parágrafo não tem lógica.

Tem outra coisa. A combinação pé e cabeça é mágica. A beleza da cabeça é que ela viabiliza o pensamento. A do pé é que ele viabiliza o movimento. Feliz é quem pensa e se mexe. Um cara que se move mas não pensa é só um afobado. O que pensa mas não se move é só um intelectual. Mas que freio haverá quando se pensa e se move?

E aí temos as linhas gerais do blog: pé e cabeça.

Se esse espaço em nada contribuir para o seu dia, cuspa nele, fale mal aos amigos e não volte nunca mais. Mas se ao menos provocar um meio riso, se comunicar algo útil e edificante, ou se te agradar de qualquer maneira, volte sempre e faça propaganda pô, pq é de leitores que os blogs vivem.

Sobre a mentalidade marítima



Na Marinha, uns definem assim:

"Mentalidade Marítima de um povo pode ser entendida como a compreensão da essencial dependência do mar para a sua sobrevivência"

Outros, assim:

"Mentalidade Marítima é a convicção ou crença, individual ou coletiva, da importância do mar para uma nação e o desenvolvimento de hábitos, atitudes, comportamentos ou vontade de agir, no sentido de utilizar, de forma sustentável, as potencialidades do mar"

A segunda é mais concreta. A primeira é mais violenta, e por isso gosto mais dela.

Mas e aí: o Brasil depende ou não do mar? E o mundo?

Sobre o porquê das ondas quebrarem na praia

Você está ali na areia, olhando o mar... As ondas quebram na areia sem parar. Você então se pergunta: por que isso acontece?



Desde que criei essa conta no blogger - há mais de 3 anos - tenho hesitado em publicar textos, por achar que eles me escravizariam. Hoje, aleatoriamente, vou dar o pontapé inicial no bicho. Quanto à escravidão, veremos no que vai dar.
A gota d´água pra eu dar o braço a torcer às tentações literárias veio com a #dicanaval (que droga de blog! em 4 linhas já apareceram os jargões "pontapé inicial", "gota d´água e "dar o braço a torcer"! calma, leitor, é só uma firula satírica intencional com o clássico "método revista exame de se escrever"). "Mas o que é a #dicanaval?", perguntaria outro leitor incauto que naturalmente não conhece essa tag obscura. É que no meu tuíter (@paceaz) tenho me empenhado numa empreitada quase-diária para estabelecer um pouco de mentalidade marítima (veja o próximo post) nos meus honoráveis seguidores. Portanto, todo dia que entro no dito cujo, cuspo uma #dicanaval. Na dica de hoje eu quis responder à seguinte pergunta: "por que as ondas quebram na praia?". Tentei sem sucesso condensar a explicação em 140 caracteres. Aí lembrei do meu combalido blog, que estava adormecido enquanto eu esperava uma oferta de R$100 reais para vender o domínio . Uma oferta que nunca veio... Ainda bem, senão não teria um espaço maior para dar vazão à migalha de conhecimento marítimo de hoje. Enfim, ei-la, resumidamente:

As ondas quebram na praia porque ocorre uma diferença de velocidade entre a parte superior e a parte inferior da onda. Nas ondas do mar, a água se movimenta em trajetórias circulares, como aparece na figura aí embaixo. O ponto A representa uma profundidade da água maior e o ponto B, menor. A seta 1 indica a direção de propagação da onda. O ponto 2 indica a crista da onda e o ponto 3, o vale. À medida que a profundidade diminui, a velocidade da água em pontos mais profundos vai diminuindo muito por causa do atrito. E as trajetórias se achatam, de círculos para elipses. A diminuição de profundidade também provoca o aumento da altura das ondas.



















Aí, tendo seu topo avançando mais rapidamente que sua base (ou seja, com a velocidade da crista da onda sendo maior que a velocidade da própria onda), ela finalmente entra em colapso, e nós a vemos quebrando. Vejam esse vídeo curtinho pra entender melhor o fenômeno:


Geralmente as ondas começam a quebrar quando atingem profundidades de aproximadamente 1.3 vezes a sua altura.

Pergunte "e daí?" depois de toda essa explicação que eu te mato! Pelo menos agora você vai ter assunto com aquela gatinha na praia.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

do porquê da existência do blog

Este blog, criado em 2007, é apenas uma especulação com um nome que acho próspero. talvez um dia ele se torne operacional.