quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Crítica ao João-Vermelho

João-Vermelho sonha com a revolução. Com aquele dia glorioso em que os politicamente iluminados, os visionários da justiça, os sedentos de poder, os operários, os estudantes militantes e os oprimidos tomarão armas e destituirão a burguesia fétida do comando. Ele sonha com o dia em que o neoliberalismo será não só um jargão, mas um jargão morto. João-Vermelho matará o neoliberalismo. E em seu lugar colocará o neoestatismo e a neoditadura (que, como é do proletariado, é boa).


João-Vermelho não gosta de hierarquia. Para ele, a igualdade é um dogma a ser levado às últimas consequências. A única hierarquia que ele admite é a de ideias: as dele sempre estão acima das outras. Ele não crê no debate, ele crê no deus do debate. Trata-se de um deus não sujeito ao tempo. Deus-debate pode agir por tempo indeterminado, talvez milhões de anos, mas certamente produzirá o resultado mais favorável para a vida na terra. É, portanto, uma espécie de seleção natural da política. O deus-debate de João-Vermelho deve saber de tudo. Para toda e qualquer decisão, recorre-se a ele.

Um conceito extremamente reacionário para João-Vermelho é a disciplina. Ora, a disciplina é uma amarra, diz ele, pois coíbe a contestação, a rebeldia o ser-do-contra. Ela é um instrumento de dominação e, por violar o princípio joão-vermelhista da horizontalidade absoluta, não cabe na sociedade. As pessoas devem ser livres para fazer o que bem entenderem no seu país, no seu território. Os melhores territórios são os territórios livres, pois ali há auto-determinação dos povos. João-Vermelho é um cara muito livre. Liberdade é seu mote. Ainda que a bagunça seja a glosa.

João-Vermelho gosta de questionar. Depois de arquitetar a revolução, esse é o seu maior passatempo. Apesar de o questionamento ser um dos pilares da Universidade e de essa atitude gozar de excelente prestígio no mundo intelectual, João-Vermelho acha que não se questiona o bastante por aí. A faixa de pedestres poderia ser quadriculada e não listrada. As árvores deveriam ser móveis e comunicativas. E por que tanto o céu como o mar são azuis? Com tanta cor disponível! O fenômeno do questionamento é mais agudo em João-Vermelho porque ele não se conforma com o estado das coisas. Ele quer mudar as coisas. Por princípio. Qualquer atitude em outra direção é sem dúvida reacionária e alienada.

Mas há um conceito visceralmente nefasto para João-Vermelho: a propriedade. Terra, por exemplo, deveria ser pública. E para plantar uma samambaia, o produtor deveria consultar o funcionário da repartição competente. As fábricas também. Como se sabe, para se disponibilizar produtos de alta qualidade e a custos baixos deve-se acabar com a competição, a livre-iniciativa e a possibilidade de se obter lucros. Lucros? Disso João-Vermelho tem calafrios.

No fim das contas, quem sai no lucro com o pensamento joão-vermelhiano é o paradoxo. Nunca se viu a contradição exaltada a tão grandiosas alturas.


[Nem tudo é tão maniqueísta. Veja aqui o Elogio ao João-Vermelho]

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